Ser
eliminado de uma Copa do Mundo da FIFA nunca é um processo tranquilo para o
Brasil, onde parece não existir a possibilidade de um trabalho ser considerado
bom se não culminar com título.
Que
o diga Dunga, que escutou uma enxurrada de críticas a tudo – inclusive seus
quatro anos de resultados positivos - ao deixar o cargo de técnico da Seleção
Brasileira com a eliminação para a Holanda nas quartas de final da África do
Sul 2010.
É
interessante, então, ver como, quatro anos depois, o treinador enxerga a
acachapante derrota brasileira para a Alemanha na semifinal do Brasil 2014.
Comentarista de televisão durante o Mundial, Dunga ainda entra em detalhes
sobre o futebol jogado nesta Copa, especificamente pelas finalistas Alemanha e
Argentina. Veja só o longo e interessante papo que o FIFA.com bateu com ele:
Como
treinador e, agora como torcedor também, como você viu aquele apagão da Seleção
Brasileira no primeiro tempo contra a Alemanha?
Acho
que a Alemanha fez o que o Brasil fazia há muito tempo: montou um triângulo num
lado do campo e depois passou a mudar o jogo, com passes de 40, 50 metros. E a
vantagem é que ela tinha o jogador ideal do lado oposto, que era o (Thomas)
Müller, com velocidade e qualidade para dar sequência. É até delicado falar que
eles não fizeram nada de anormal ou de excepcional. Mas eles fizeram, sim,
porque isso é simplesmente o que todo time sonha em fazer. A Alemanha jogou em
bloco, teve aproximação, profundidade, velocidade e soube se defender nos
momentos certos. Ao mesmo tempo, se a gente reparar nos gols, os brasileiros
estavam sempre em superioridade de marcação - mas a quatro ou cinco metros de
distância. E, hoje em dia, quando é preciso jogar de forma bem compacta, dar
esse espaço pode ser fatal.
Falavam
que a Alemanha não havia encantado na Copa, aí veio o jogo com o Brasil. Para
você, o que aconteceu para que eles enfim se soltassem e jogassem o futebol que
todos esperavam?
O
fato é que a Alemanha montou seu quebra-cabeça durante a Copa e acertou o time
depois daquela vitória contra a Argélia, na qual tiveram muitas dificuldades.
Ele (o técnico Joachim Löw) tirou o (Philipp) Lahm do meio e o pôs na lateral,
onde é excepcional. Colocou o (Sami) Khedira no meio com o (Bastian)
Schweinsteiger, pôs um jogador mais rápido na defesa, que é o (Mats) Hummels, e
o (Miroslav) Klose na frente. No meio, o Schweinsteiger comanda o time tanto na
hora de marcar como de pressionar e dar ritmo ao jogo. Ele sabe a hora de
recuar e ficar no meio dos dois zagueiros, de subir ou pressionar. As pessoas
têm que entender que uma seleção não é montada só com os melhores jogadores,
mas, sim, com aqueles que se encaixam nas características de que você precisa.
O futebol se equiparou muito. O problema é que, no Brasil, a gente acha que, se
um jogador é excepcional, ele não precisa ter função tática. É essa mentalidade
que precisa mudar.
Acredita
que a Copa das Confederações ajudou a aumentar a pressão nos jogadores ou a
fazer com que acreditassem que o time estava pronto para ganhar uma Copa do
Mundo?
Não
tanto. Independentemente da competição, o Brasil sempre é um dos favoritos, e o
jogador precisa saber viver com essa pressão. Temos jogadores nos melhores
times do mundo – Real Madrid, Barcelona, Chelsea –, que estão acostumados a
ganhar. Acho que a Copa das Confederações deu, sim, mais confiança a eles. E
foi bom passar por isso, para encerrar aquele receio sobre a Copa do Mundo. No
fim, o torcedor abraçou a Seleção Brasileira, apoiou em todos os jogos, até
mesmo neste contra a Alemanha. Eu tive experiências contrárias, como em um jogo
de eliminatórias contra a Argentina, em Minas, no qual fomos vaiados durante 90
minutos. Desta vez não houve isso.
O
problema é que, no Brasil, a gente acha que, se um jogador é excepcional, ele
não precisa ter função tática. É essa mentalidade que precisa mudar.
Dunga,
técnico da Seleção na Copa de 2010
Após
a derrota de 2010 houve o início de um novo ciclo na Seleção. Agora,
provavelmente, vai acontecer o mesmo. Quais lições você acha que podem ser
tiradas dessa experiência atual?
Bom,
isso é algo para quem está lá dentro. Agora, qualquer seleção que venha a uma
Copa do Mundo tem que ter uma programação, e suas decisões têm que ser
respeitadas. Eu fui muito criticado por deixar os jogadores mais concentrados,
mas é difícil para os outros entenderem que, com o espaço de tempo sendo curto,
você precisa aproveitar tudo da melhor maneira possível. Para uma seleção, Copa
é trabalho. Para quem está ao redor, é uma festa. Então, tem que saber dividir
bem, porque a cobrança será alta. Haverá discussões, mas, não é porque perdemos
que se pode dizer que tudo está errado. Há muitas coisas boas que precisam ser
aproveitadas.
A
Holanda mesmo, que ganhou do Brasil em 2010, manteve uma base experiente e
conseguiu essa continuidade. A Alemanha também. Acha que faltaram elos com a
geração antiga do Brasil, principalmente no que diz respeito à experiência?
Como
disse, não é porque se perde que tudo está errado. E também não é porque um
jogador está com idade mais avançada que ele não pode mais atuar. O Klose, por
exemplo, tem 36 anos e é o maior goleador da história das Copas. Ou seja, é
preciso ver a média de tudo e encontrar um equilíbrio, com renovação e
jogadores experientes que, na hora da dificuldade, possam chamar a
responsabilidade, possam ser líderes em campo e unir a equipe para evitar essas
panes como a que aconteceu com a Seleção.
Olhando
então para a Seleção, você acha que será preciso uma outra renovação? Ou muitos
jogadores têm perfil para continuar e liderar a nova geração para 2018?
Vai
depender da continuidade e do rendimento que alguns destes jogadores terão.
Eles precisam entender que vai haver a crítica e que isso é preciso ser
superado. Porque as gerações se criam durante os momentos de dificuldades. Como
uma Copa é uma competição curta, sem tempo de recuperação, estes jogadores
precisam ser maduros, assimilar o golpe e reagir. Se isso acontecer, acredito
que muitos deles tenham tudo para permanecer.
Você
falou muito bem da Alemanha. Como vê a Argentina para esta final? Taticamente,
ela parece pronta para buscar o título?
Acho
que a situação é parecida: a Argentina foi montando seu quebra-cabeça ao longo
da Copa e fez mudanças de jogadores que deram certo. Por exemplo, o (Javier)
Mascherano ficava muito sozinho no meio de campo antes. Então, com a entrada de
um jogador que se posicionava com ele, o setor ficou mais forte. O (Martín)
Demichelis deu mais personalidade, e as peças se encaixaram. E isso modificou
um pouco o posicionamento do (Ezequiel) Lavezzi, também, que passou a retornar
um pouco. Ofensivamente, eles já têm (Lionel) Messi, (Gonzalo) Higuaín e o
próprio Lavezzi; não precisa de muito mais. É preciso ter espaço para chegar
com velocidade, e não tumultuar tudo.
Usando
isso como base, você acha que essa Copa traz uma nova tendência para o futebol
de hoje, com uma maior busca de gols e times mais no ataque?
Veja,
não é porque usamos três ou quatro jogadores na frente que teremos
obrigatoriamente um time ofensivo. Podemos ter um ou nenhum jogador, e ainda
chegar com quatro ou cinco no ataque. São paradigmas que estão sendo quebrados
durante a Copa. A única seleção que jogava com três à frente e pressionava o
tempo todo era o Chile, mas isso pelas características de seus jogadores. Eles
sabiam que, defensivamente, não tinham estrutura física para suportar o choque,
então reagiam atacando. No geral, acho que a tendência é ter mais jogadores
ofensivos e rápidos, que jogam no erro do adversário. Saíram muitos gols na
Copa porque os atacantes estão cada vez mais eficientes e móveis em campo. E
nesse sistema de hoje, com todo mundo marcando junto, voltando atrás do meio de
campo para fechar os espaços e atrair o adversário – e, aí, sair com velocidade
após a recuperação –, traz bons resultados. O jogo em geral fica mais dinâmico.
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