Quatro
anos após ser demitido por Ricardo Teixeira do comando da seleção brasileira, o
técnico Dunga está de volta. Nesta terça-feira (22), em coletiva de imprensa na
sede da CBF, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro, o capitão do
tetra em 1994 foi apresentado como novo treinador da equipe pentacampeã.
Foto:
Rafael Ribeiro/CBF
Apesar
da rejeição em algumas enquetes, Dunga mostrou-se confiante em recuperar o
prestígio junto aos torcedores. "A pesquisa está aí para ser derrubada. Eu
acredito muito no torcedor brasileiro, no carinho que o torcedor tem pela
seleção brasileira. Como falei, não sinto essa tamanha rejeição pelo o que está
se falando por onde eu passo. Toca a nós mudarmos a opinião das pessoas. Vimos
que muitas enquetes que foram colocadas, as pessoas deram um jeito de mudar
essas enquetes. Minha meta é mudar a maneira das pessoas pensarem a meu
respeito. Nelson Mandela tinha tudo contra e conseguiu mudar a forma das
pessoas de pensar com paciência. Espero que eu possa ter 1% da paciência dele.
Eu não penso em mim, penso na seleção brasileira. Se a Seleção estiver bem, eu
vou estar bem, estar feliz. Tem muito sacrifício, mas a alegria e satisfação é
bem maior", disse o novo treinador.
O
presidente José Maria Marin explicou sua escolha pelo capitão do tetra, em 1994,
dizendo que a escolha foi uma unanimidade entre ele, Del Nero, Gilmar Rinaldi.
"É um atleta que foi campeão do mundo, foi capitão de uma seleção campeã,
demonstrou capacidade para dirigir a seleção brasileira. Ficou demonstrada
através de números, não apenas por palavras, que possui todos os requisitos e
capacidade para dirigir novamente a seleção brasileira. Foi uma escolha feita
através da participação de todos que estão nesta mesa, numa demonstração de
unidade e total integração, visando grandes conquistas no futuro. Um homem
experimentado, tanto como atleta no campo, como fora dele. E todos nós nesta
mesa depositamos total confiança na sua competência e capacidade de trabalho",
disse Marin.
Dunga
agradeceu a confiança e afirmou que não vai descartar todo o trabalho da Copa
do Mundo, mas deve mudar alguns pontos. Inclusive de sua personalidade. "É
uma grande felicidade. Vamos trabalhar junto com as categorias de base, com o
Gallo, e a coordenação do Gilmar. A CBF está nesse planejamento há dois anos e
vamos dar sequência. Não precisamos fazer dessa Copa do Mundo terra arrasada,
há coisas que podem ficar. A gente viu na Copa que é importante o talento, mas
o planejamento também. Como é importante o marketing, mas que o resultado
dentro de campo também", acredita.
Entre
outros assuntos, o treinador elogiou bastante algumas seleções da Copa do
Mundo, como Alemanha, Holanda e Colômbia; quando se equivocou e falou sobre um
"Jimenez" em referência clara ao apoiador James Rodríguez, anunciado
nesta terça como novo jogador do Real Madrid.
Segundo
Gilmar Rinaldi, o momento é de se unir em torno do novo comandante. Baseando-se
em três pilares: talento, trabalho e planejamento. "Começamos agora
efetivamente nosso trabalho. Começamos a conversar sobre a comissão técnica,
que não será divulgada hoje. A ideia é justamente essa, voltar algumas coisas
importantes em uma reformulação. Conversávamos que é muito importante que o
jogador sinta frio na barriga na época de convocação, que mereça ser convocado,
buscando o limite para merecer a convocação", analisou.
Imprensa
Dunga
admitiu o contato difícil com a imprensa em sua primeira passagem pela Seleção.
"Vimos como é importante o talento numa Copa, o planejamento. No futebol
moderno, o marketing é importante, mas o trabalho dentro de campo também.
Quanto a falar da minha pessoa, vocês me conhecem. Sabem que dificilmente
algumas pessoas mudam, quanto à ética, trabalho e profissionalismo. Sei que
tenho que melhorar muito no contato com os jornalistas. Por eu ser oriundo do
futebol, na outra passagem, eu foquei mais no trabalho dentro de campo. Os
resultados estão aí. Agora é normal que eu tenha que aprimorar o meu
relacionamento da imprensa. É minha culpa pela relação que tivemos. Trabalhei
para me aprimorar", revala.
Dunga
afirmou que vai realizar um trabalho em conjunto com o coordenador das
categorias de base, Alexandre Gallo, e com o coordenador de Seleções, Gilmar
Rinaldi. O treinador explicou a diferença de suas passagens na Seleção. "A
minha primeira passagem foi pedida para resgatar o valor da Seleção, a camisa e
obter resultados. Só conseguimos isso com resultados. A segunda passagem é
preparar a Seleção para a Copa de 2018. No caminho, nós vamos ter uma Copa
América e vamos encontrar seleções em ótima fase. Todas as seleções melhoraram
muito", concluiu.
Confira
abaixo os principais trechos da coletiva de Dunga:
Volta à seleção
"O
Brasil tem 200 milhões de pessoas e todos nós queremos jogar futebol. Chegar à
Seleção é fantástico. E retornar à seleção é quase impossível. Como na vida não
tem nada impossível. Na vida, se você fizer o seu trabalho, as pessoas vão
conhecer num momento ou outro. O carinho do torcedor é o mesmo. Ele está
machucado, mas a seleção significa muito para o povo brasileiro. Vamos
conquistar isso através dos resultados. Vamos mostrar ao torcedor que queremos
o melhor. Já temos um esboço e vocês me conhecem. Não vou vender um sonho, vou
vender uma realidade. E a realidade precisa de trabalho. Não dá para criar
muita expectativa no torcedor. No futebol, você precisa conquistar a torcida a
cada minuto, a cada segundo. O futebol têm pessoas competentes, com muito trabalho.
Já fomos os melhores e temos que resgatar essa capacidade. Temos talento para
isso, mas não podemos deixar de ter a humildade de reconhecer que outras
seleções fizeram um trabalho bom."
Futebol arte
"O
futebol arte existe. Vai ser difícil de classificar como sempre foi. É legal,
bonito, falar em futebol arte. Mas o que é arte? O goleiro fazer uma defesa é
arte. O zagueiro interceptar uma bola também é. O Pelé é um mito. Não podemos
achar que teremos um Pelé a cada dia. O ídolo não se cria, ele constrói isso a
cada dia. O Brasil tem jogadores de grande talento, mas temos que aliar esse
talento ao comprometimento, ao trabalho, ao equilíbrio emocional. O equilíbrio
de mostrar as emoções no tempo certo".
Estilo de jogo
"O
futebol muda a cada instante, a cada dia. Todos falam em futebol ofensivo e
pensam que é colocar quatro ou cinco atacantes. As equipes marcam cinco, dez
metros atrás da linha do meio de campo. Você cria espaços para atacar. Se em
2010, nós tivéssemos essa atitude, todos falariam que seria um futebol
defensivista. Ele muda, mas não muda tanto. O importante é chegar com quatro,
cinco jogadores à frente. Tem que ter movimentações, o time precisa se
movimentar. Vai cair um ou outro conceito nosso. Aquela história de que o
craque precisa participar do jogo cai por terra. O Robben participava do jogo,
o Müller participava, o Rodriguez da Colômbia. Antigamente, você não via o
goleiro participando tanto do jogo. Mas em 2014, nós vimos os arqueiros jogando
quase como líberos".
Brasil, o melhor?
"É
um trabalho de conscientização da imprensa, do torcedor. Tivemos a impressão do
que é o futebol total. Não podemos passar para o torcedor que somos os
melhores. Quando o adversário olha no teu olho e vê que você não quer ganhar,
ele quer. Se ele vê que não quer marcar o gol, ele vai e marca. A camisa
brasileira é respeitada. É verdade que eles nos respeitam, mas eles querem
ganhar de nós de qualquer forma. Temos que ser mais compactos, ter mais
comprometimento. Temos que ter essa percepção e não achar que vamos ganhar a
Copa antes de a Copa acontecer. Não acontece nada antes de acontecer o jogo. O
futebol é lindo, maravilhoso, mas antes dos 90 minutos. Depois do jogo, você
precisa explicar se você ganhou ou perdeu".
Experiência x
jovialidade
"Todas
as coisas são importantes. Temos que obter resultado e formar uma seleção para
2018. É uma seleção jovem. A Holanda mesclou. Temos que passar para o publico
os dois lados da moeda. O capitão da Alemanha, por exemplo, não vai jogar a
próxima Copa. O importante é colocar no momento certo alguns jogadores novos
com certa experiência. No caminho você precisa ter o resultado para fazer o
trabalho com calma. Você não coloca o jogador apenas porque ele é novo, mas
pela competência e pelo rendimento. Quando assumimos em 2010, você queria
resgatar o carinho e o amor pela Seleção. Colocamos muitos jovens. Mas quem
precisa se afirmar na Seleção são os próprios jogadores. Você não pode excluir
pela idade, mas pelo rendimento em campo".
Treinos
fechados/imprensa
"Isso
é o futebol. É o que estamos querendo agora, sugestões como a sua, da Seleção
ter um momento de privacidade para treinar algumas jogadas, treinos
diferenciados. É algo que temos que fazer. Tenho que ser sincero. Não tive
problema com a Globo, com A, B ou C. Tive, sim, atrito com várias pessoas. Sou
gaúcho, combinado não é caro. As coisas precisam ser cumpridas. Talvez eu tenha
levado muito na ponta da faca. Mas cumpri o combinado e não cumpriram comigo.
Não vou mudar minha essência, que é de comprometimento, lealdade e
transparência. As coisas precisam ser feitas, mas tudo conforme o planejado.
Colocar no papel o espaço de cada um. Ninguém vai cercear o trabalho da
imprensa, mas todos precisam entender que o objetivo maior é a Seleção. Durante
a Copa, todos elogiavam que a Alemanha ia caminhar na praia. O combinado era
que as entrevistas seriam depois. E ninguém ia atrás dos jogadores na
caminhada.Todos precisam entender onde vai o direito e onde começa o direito
dos demais. Se tiver essa compreensão de todos, vai dar certo".
Motivos do retorno
"Lógico
que a escolha para voltar foi em parte pelos números da primeira passagem e
também pelo conhecimento do presidente Marín pelo o que eu tinha feito entre
2006 e 2010. Parece que todo mundo descobriu a Alemanha agora, mas eles sempre
foram organizados e tiveram planejamento. Sempre tiveram centros esportivos.
Morei lá e vi. É um país que tem tradição de dar importância aos esportes em
geral, à formação dos atletas, convivência, educação... E agora acham que eles
fizeram isso nos últimos anos? Sempre foi assim. O que aconteceu foi que a
Alemanha encontrou uma geração de ótimos jogadores como já teve no passado. As
peças encaixaram, deram tempo ao tempo. O resultado não veio de imediato, mas
deram seguimento ao trabalho. Foi campeã com amplo reconhecimento e com futebol
total. Mostrou uma forma de jogar com o goleiro-líbero, que vem do futebol de
salão. Mas para colocar isso em prática é preciso ter jogadores aptos para a
função. O melhor jogador alemão que é o Müller vinha atrás marcar e isso não
diminuiu em nada o seu talento. E para vocês verem como é importante o
planejamento para o torcedor ver o bem maior. Imagina um treinador brasileiro
não colocar um jogador para bater o recorde num jogo que estava 4 a 0 (estreia
contra Portugal)?. Era mais importante ter o Klose descansado para um jogo mais
importante do que desgasta-lo em uma partida já decidida. Isso é planejamento e
isso é inteligência do futebol. Às vezes, quem está fora não consegue entender
isso. Jogador precisa ter leitura de futebol. Durante a Copa, conversei com o
Arrigo Sacchi e ele sempre dizia que o jogador precisa ter inteligência de
jogo. Um jogador rápido da defesa não tem que apostar corrida com o atacante.
Porque uma hora ele perde. Na verdade, precisa se posicionar vem e ter
inteligência para ler o jogo".
Ausência do futebol
desde 2010
"Não
é que seja uma desilusão. Nós como ser humanos temos uma reação, um pensamento.
Cada um tem uma forma de ser, um caráter, um tipo de família e essa ansiedade
te deixar perplexo. Fui ao Internacional e achava que tinha de ter dado
seguimento ao trabalho. Fomos campeões gaúchos e sai com o time em 5º lugar no
Brasileirão. Como o meu trabalho é baseado em respeito, nas pessoas,
respeitando o coletivo, nunca tive problema de relacionamento por mais que as
pessoas falem. Estive na Seleção e também nunca tive problema com jogadores ou
membros da comissão técnica. Agora, eu não sou de estar querendo colocar no
jornal que fizeram contato comigo. Tive ofertas recentemente, mas para o
torcedor entender, o que adianta eu passar que tive dez propostas e não aceitei
nenhuma? Vão falar que todo mundo quer o Dunga e ele não acerta com ninguém,
que quer se valorizar... Por isso fiquei quieto. Na hora que eu achar que devo
tomar uma decisão, eu tomo. Fiz muitas viagens, falei com muitas pessoas que
trabalham no futebol, não só no Brasil, mas fora do país também. Esse período
da Copa, nas refeições, nos jogos, fazíamos reuniões mais tranquilas com
Sacchi, Gullit, Bakero, falávamos das situações novas do futebol. Quais eram as
virtudes, os defeitos das seleções. A única equipe que jogou ofensivamente
neste Mundial foi o Chile. Eram três atacantes e marcação sob pressão. As
demais equipes todos jogavam atrás, fechadinhos, buscando o contra-ataque. Todo
o treinador começa organizando a parte defensiva para depois pensar na parte
ofensiva. Ficar me vangloriando que fiz cursos não serve de nada. O que serve é
colocar as ideias em prática. O bom treinador tem que tirar o melhor de cada
jogador para o coletivo. Não adianta saber muito e não conseguir transmitir
para cada um o seu melhor".
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